Na maioria das paróquias, grupos e associações católicas, há uma expressão que raramente é proferida: FAMÍLIAS NUMEROSAS.
E se algum bom padre ousa falar desse tema, logo vem a reação: “Acaso a Igreja vai me dar dinheiro para sustentar tantas crianças? É certo botar filho no mundo para passar fome?”.
Muitos católicos se consideram profundamente devotos e espirituais, só porque se arrepiam enquanto ouvem uma música bonita na Igreja, ou porque choram na adoração eucarística, nos encontros de pregação ou oração, ou porque estudam muito a doutrina. Mas na hora de demonstrar verdadeira fé em Deus, recebendo os filhos que Ele quer enviar, pensam e agem como os mundanos: usam anticoncepcionais, fazem laqueadura ou vasectomia ou até mesmo usam métodos naturais para reduzir a prole a dois filhos no máximo – conforme o padrão burguês de bem-estar e conforto.
A família numerosa é um ideal pregado pela Bíblia e por vários papas. Agora, é óbvio que não se pode avaliar a santidade pelo número de filhos. Já que nem todos possuem a mesma fertilidade, e alguns casais têm motivos justos para usar os métodos naturais para espaçar a vinda de filhos. Então, ninguém precisa se ofender este artigo.
Propomos a todos vocês a leitura e meditação de um discurso de do papa Pio XII aos Dirigentes e representantes das associações de famílias numerosas.
O discurso está disponível na íntegra no site do Vaticano, em italiano. Abaixo, apresentamos a nossa tradução de alguns trechos dessa pregação.
PAPA PIO II, 20 DE JANEIRO DE 1958
O VALOR DO TESTEMUNHO DAS FAMÍLIAS NUMEROSAS
Ora, o valor do testemunho de pais de famílias numerosas consiste não apenas em rejeitar sem ambiguidade e com a força dos fatos qualquer compromisso intencional entre a lei de Deus e o egoísmo do homem, mas na disponibilidade para aceitar com alegria e gratidão o que não tem preço os dons de Deus, que são os filhos, e em número que lhe agrada. (…)
Além disso, o bom senso popular sempre e em toda parte reconheceu nas famílias numerosas o sinal, a prova e a fonte da saúde física, enquanto a história não erra quando aponta a violação das leis do casamento e da procriação como a causa primária do declínio da povos.
As famílias numerosas, longe de serem a “doença social”, são a garantia da saúde de um povo, física e moral. Nas lareiras onde há sempre um berço que chora, as virtudes florescem espontaneamente, enquanto se exclui o vício, quase afugentado pela infância, que aí se renova como um novo e curativo sopro de primavera.
Portanto, deixem os medrosos e mesquinhos vos tomarem por exemplo; que a sua pátria demonstre gratidão e predileção por tantos sacrifícios, que compreende a alimentação e educação dos seus cidadãos; quão grata é a Igreja, que através de vós e juntamente convosco se apresenta à ação santificadora do Espírito divino cada vez mais sã e cheia de almas. (…)
Só a luz divina e eterna do cristianismo ilumina e vivifica a família, de modo que, tanto na origem como no desenvolvimento, a família numerosa é muitas vezes tomada como sinónimo de família cristã. O respeito pelas leis divinas deu-lhe a exuberância da vida; a fé em Deus dá aos pais a força necessária para enfrentar os sacrifícios e renúncias exigidos pela criação dos filhos; os princípios cristãos orientam e facilitam o árduo trabalho educativo; o espírito cristão do amor zela pela ordem e pela tranquilidade, ao mesmo tempo que dispensa, quase enunciando-as da natureza, as íntimas alegrias familiares comuns aos pais, filhos e irmãos. (…)
A FÉ NA PROVIDÊNCIA
Mas Deus também visita famílias numerosas com sua Providência, da qual os pais, especialmente os pobres, dão testemunho aberto, pondo nela toda a sua confiança, quando não basta o trabalho humano. Confiança bem fundamentada e não em vão! A Providência – para nos expressar com conceitos e palavras humanos – não é propriamente o conjunto de atos excepcionais de clemência divina; mas o resultado comum da ação harmoniosa da infinita sabedoria, bondade e onipotência do Criador.
Deus não nega os meios de vida àqueles que Ele chama à vida. O divino Mestre ensinou explicitamente que “a vida vale mais do que a comida, e o corpo mais do que a roupa”. (…)
SOBRE A SUPERPOPULAÇÃO
A superpopulação, portanto, não é um motivo válido para a disseminação de práticas ilícitas de controle de natalidade, mas sim o pretexto para legitimar a ganância e o egoísmo, tanto de nações que temem da expansão de outras um perigo para sua própria hegemonia política e rebaixamento do padrão de viver, quanto de indivíduos, especialmente os mais equipados com os meios da fortuna, que preferem o mais amplo gozo dos bens terrenos ao orgulho e mérito de despertar novas vidas. (…)
Deus não pedirá aos homens que prestem contas do destino geral da humanidade, que pertence a Ele; mas dos atos individuais que eles queriam em conformidade ou em desprezo aos ditames da consciência.
O VALOR ESPECIAL DAS FAMÍLIAS NUMEROSAS
As famílias numerosas são os canteiros mais esplêndidos do jardim da Igreja, nos quais, como que em terreno favorável, floresce a felicidade e amadurece a santidade.
Cada unidade familiar, mesmo a menor, é a intenção de Deus um oásis de serenidade espiritual. Mas há uma diferença profunda: onde o número de filhos não ultrapassa em muito o singular, ali aquele íntimo sereno, que tem o valor da vida, carrega em si algo melancólico e pálido; é de duração mais curta, talvez mais incerta, muitas vezes nublada por medos e remorso secreto.
Por outro lado, a serenidade de espírito dos pais rodeados por um florescimento exuberante de vidas jovens é diferente. A alegria, fruto da superabundante bênção de Deus, rebenta com mil expressões, com uma perenidade estável e segura.
Na fronte desses pais e mães, embora carregados de pensamentos, não há vestígios dessa sombra interior, revelando ansiedades de consciência ou o medo de um retorno irreparável à solidão. A juventude deles parece nunca murchar, enquanto o cheiro dos berços paira na casa, enquanto as paredes da casa ecoam com as vozes argentinas de seus filhos e netos.
AS VANTAGENS DE TER UMA FAMÍLIA NUMEROSA
Os trabalhos multiplicados, os sacrifícios duplicados, a renúncia a dispendiosas atividades de lazer são amplamente compensados, mesmo aqui na Terra, pela multiplicação inesgotável de afetos e doces esperanças que cercam os seus corações, sem contudo os oprimir ou cansar.
E as esperanças logo se concretizam, a partir do momento em que a filha mais velha começa a emprestar à mãe o trabalho de cuidar do último filho; o dia em que o primogênito volta pela primeira vez, radiante, com seu primeiro salário. Esse dia será abençoado de maneira particular pelos pais, que agora veem afastado o fantasma de uma possível velhice esquálida, e veem a compensação pelos seus sacrifícios assegurada.
Os numerosos irmãos, por sua vez, ignoram o tédio da solidão e o desconforto de ser forçado a viver entre os maiores. É verdade que sua numerosa companhia pode às vezes transformar-se em vivacidade incômoda, e suas brigas em tormentas passageiras: porém, quando são superficiais e de curta duração, contribuem efetivamente para a formação do caráter.
Os filhos de famílias numerosas educam-se quase por si próprios para a vigilância e responsabilidade dos seus atos, para o respeito e ajuda mútuos, para a abertura de espírito e a generosidade. A família é para eles o pequeno mundo da prova, antes de enfrentar o externo, que é mais difícil e exigente.
Todos estes bens e méritos adquirem maior consistência, intensidade e fecundidade, quando a grande família coloca como fundamento e norma o espírito sobrenatural do Evangelho, que é tudo de transumano e eterno. Nestes casos, aos dons ordinários da providência, alegria e paz, Deus muitas vezes acrescenta, como mostra a experiência, um chamado de predileção, isto é, vocações ao sacerdócio, à perfeição religiosa e à própria santidade.
O NÚMERO GRANDE DE FILHOS NÃO PREJUDICA A EDUCAÇÃO
Várias vezes, e não sem razão, a prerrogativa das famílias numerosas de serem berços de santos foi enfatizada; mencionamos, entre muitos, o de São Luís Rei da França formado por dez filhos, de Santa Catarina de Siena de vinte e cinco, de São Roberto Bellarmino de doze, de São Pio X de dez.
Cada vocação é um segredo da Providência; mas, no que diz respeito aos pais, destes fatos pode-se concluir que o número de filhos não impede sua educação excelente e perfeita; que o número, nesta matéria, não prejudica a qualidade, tanto em relação aos valores físicos como espirituais.
Referência: O Catequista